[BLOG] Série Especial “Entendendo os Ataques Cibernéticos”
Introdução
Sim, estamos falando de Fontes ou “Fonts”. Ou seja, os caracteres que aparecem numa tela ou numa impressão, que você escolhe num editor de texto ou que aparecem num arquivo PDF, dentre diversas outras aplicações. As fontes são uma parte onipresente da computação moderna, presentes em navegadores, documentos, aplicativos móveis e até mesmo em sistemas embarcados, como numa tela LCD de um veículo. No entanto, essa onipresença também as torna um alvo atrativo para invasores.
O processo de análise e renderização de fontes é extremamente complexo, envolvendo cálculos matemáticos sofisticados, parsing de estruturas binárias e interação com drivers gráficos. Essa complexidade abre margem para vulnerabilidades que podem ser exploradas para execução arbitrária de código, escalonamento de privilégios ou negação de serviço.
Neste artigo, exploramos como as vulnerabilidades de fontes surgem, exemplos históricos de ataques e as principais estratégias de mitigação que fortalecem a defesa contra esse vetor muitas vezes negligenciado.
Como as Vulnerabilidades de Fontes Funcionam
As vulnerabilidades de fontes geralmente derivam de falhas em parsers e motores de renderização. Como esses componentes precisam interpretar formatos binários diversos (como TrueType, OpenType, PostScript Type 1, entre outros), qualquer erro de validação pode abrir caminho para exploração. Entre os problemas mais comuns:
- Buffer Overflows: quando o parser não valida corretamente o tamanho de uma tabela ou glifo, permitindo sobrescrever regiões críticas de memória.
- Integer Overflows: cálculos incorretos podem gerar alocações de memória inconsistentes, levando a sobreposição de buffers.
- Use-After-Free: ocorre quando o parser continua acessando objetos já liberados, abrindo espaço para que um atacante manipule a memória de forma maliciosa.
Explorações podem ser conduzidas por meio de fontes maliciosas incorporadas em documentos (PDF, DOCX), websites que utilizam @font-face em CSS ou até mesmo pela instalação manual de fontes contaminadas. Um invasor pode explorar essas vulnerabilidades criando um arquivo de fonte malicioso e enganando um usuário para que o abra. Isso pode ser feito hospedando a fonte em um site e usando-a como uma fonte da web, ou enviando a fonte para a vítima em um documento ou e-mail, ou mesmo publicando em uma rede social.
Motores de Fontes Vulneráveis
Diversos motores de renderização de fontes já foram alvos de exploits críticos:
- Adobe Type Manager (ATM): biblioteca usada no Windows para renderizar fontes PostScript Type 1. Vulnerabilidades como a CVE-2020-1020 foram ativamente exploradas em ataques direcionados.
- FreeType: amplamente utilizado em Linux, Android e navegadores. Em 2020, a CVE-2020-15999 (exploração de heap buffer overflow no FreeType) foi usada em ataques zero-day contra o Google Chrome.
Microsoft Font Engine: motor padrão do Windows. Pesquisadores do Google Project Zero encontraram múltiplas falhas críticas, inclusive no kernel, exploráveis para execução de código privilegiado.
Técnicas de Proteção e Mitigação
A defesa contra vulnerabilidades de fontes requer uma abordagem de defesa em profundidade:
- Sandboxing: isolar o processamento de fontes em ambientes restritos (como o modelo multi-processo do Google Chrome) reduz drasticamente o impacto de uma exploração.
- Validação de Entrada: parsers robustos devem validar estritamente todos os dados das fontes contra as especificações. Contudo, a alta complexidade desses formatos torna essa tarefa desafiadora.
- Fuzzing Contínuo: técnicas de fuzzing têm se mostrado essenciais para descobrir falhas em bibliotecas de fontes antes que sejam exploradas por atacantes.
- Atualizações de Software: aplicar patches de segurança regularmente é a forma mais prática de se proteger, já que fornecedores como Microsoft e Google lançam correções frequentes para vulnerabilidades em motores de fontes.
Políticas de Restrição: em ambientes críticos, desabilitar o carregamento automático de fontes externas pode mitigar vetores de ataque via web.
Conclusão
Embora pareçam inofensivas e invisíveis ao usuário final, as fontes representam um vetor de ataque poderoso e historicamente explorado em sistemas operacionais, navegadores e documentos. Falhas em bibliotecas como Adobe ATM, FreeType e no motor do Windows demonstram que o risco é real e recorrente. A combinação de sandboxing, validação rigorosa, fuzzing contínuo e atualização de software constitui a linha de defesa mais eficaz. Proteger o subsistema de renderização de fontes é tão estratégico quanto proteger a memória ou a pilha de execução de um programa.
Como a [CYLO] pode te ajudar
O SOC da CYLO, apoiado pelo Palo Alto Cortex XSIAM e por analistas certificados, pode identificar tentativas de exploração de vulnerabilidades de fontes ao correlacionar eventos de segurança em tempo real. O Cortex XSIAM analisa logs, monitora o comportamento de processos de renderização e aplica modelos de detecção avançados para reconhecer padrões anômalos associados a ataques de parsing. Assim, mesmo ataques que exploram falhas sutis em bibliotecas de fontes podem ser detectados e neutralizados antes de comprometer os ativos da sua organização.
Referências
[1] Rapid7. (2020). Active Exploitation of Unpatched Windows Font Parsing Vulnerability. Disponível em: https://www.rapid7.com/blog/post/2020/03/24/active-exploitation-of-unpatched-windows-font-parsing-vulnerability/
[2] Google Project Zero. (2016). A year of Windows kernel font fuzzing #1: the results. Disponível em: https://googleprojectzero.blogspot.com/2016/06/a-year-of-windows-kernel-font-fuzzing-1_27.html
[3] MITRE. (2020). CVE-2020-1020 – Adobe Type Manager Font Driver RCE Vulnerability. Disponível em: https://cve.mitre.org/cgi-bin/cvename.cgi?name=CVE-2020-1020
[4] Google. (2020). Chrome Zero-Day Exploit CVE-2020-15999 in FreeType. Chromium Security Blog. Disponível em: https://chromereleases.googleblog.com/2020/10/stable-channel-update-for-desktop.html